Exercício físico e os aspectos psicobiológicos.

04-09-2010 01:19

Exercício físico e os

aspectos psicobiológicos.

 

 

O objetivo desta revisão é trazer parte dos estudos sobre umassunto pouco explorado: a relação entre o exercício físico e os aspectos psicobiológicos. A importância da compreensão desses aspectos e como eles afetam a qualidade de vida do ser humano é o que estimula as pesquisas sobre esse assunto. A literatura destaca que a prática regular de exercício físico traz resultados positivos não somente ao sono e aos seus possíveis distúrbios, mas também aos aspectos psicológicos e aos transtornos de humor, como a ansiedade e a depressão, e aos aspectos cognitivos, como a memória e a aprendizagem. Contudo, há indivíduos que se envolvem na prática de exercícios físicos com tal intensidade e/ou freqüência ou, ainda, fazem uso de drogas ilícitas que podem trazer prejuízos à saúde, como, por exemplo, o dependente de exercício físico e o usuário de esteróides anabolizantes. O exercício físico provoca alterações fisiológicas, bioquímicas e psicológicas, portanto, pode ser considerado uma intervenção não-medicamentosa para o tratamento de distúrbios relacionados aos aspectos psicobiológicos.

INTRODUÇÃO

Compreender a relação existente entre o exercício físico e os aspectos psicobiológicos tem sido tema central  e alguns estudos e revisões. Foi a partir da década de 70 que se iniciaram os primeiros trabalhos descritos na literatura, tendo como modelo o exercício aeróbio e as suas repercussões sobre o humor e a ansiedade(1).

Embora os resultados demonstrem importantes benefícios do exercício físico para as funções cognitivas, os transtornos de humor e o sono, ainda hoje há uma carência de pesquisas nesta área de estudos, já que a influência de fatores como a intensidade, a duração e o tipo de exercício, ou ainda, a combinação do exercício

aeróbio ao de força, a flexibilidade e a velocidade sobre os aspectos psicobiológicos, necessitam ser avaliados.

Além disso, grande parte dos estudos realizados anteriormente utilizou grupos heterogêneos, com recursos e equipamentos escassos, fazendo-nos questionar os procedimentos metodológicos empregados e disponíveis no momento da realização destes estudos. Diante disso, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas na tentativa de relacionar os aspectos psicobiológicos com o exercício físico, podendo, desta forma, acarretar melhora da qualidade de vida e apresentar maior esclarecimento sobre a influência do exercício físico no comportamento humano. 


OS RITMOS BIOLÓGICOS E O EXERCÍCIO FÍSICO

 

Os ritmos diários, que controlam muitas das nossas funções fisiológicas, assim como o desempenho, são conhecidos como ritmos circadianos, ciclando em cerca de um dia ou de 24 horas. Várias funções orgânicas exibem ritmicidade circadiana, com valores máximos e mínimos ocorrendo em horários diferentes ao longo do dia. Esses ritmos diários são altamente influenciados pelo exercício físico, como, por exemplo, as alterações hormonais e o ciclo sono-vigília(2). O efeito do exercício realizado em diferentes horas do dia pode influenciar no aumento da temperatura corporal. No estudo realizado  com ciclistas, observou-se que a temperatura corporal e a freqüência cardíaca continuam apresentando significativa variação circadiana, mesmo durante a execução do exercício contínuo, com uma amplitude mais elevada(3). A temperatura corporal pode sofrer um atraso ou um avanço de fase, dependendo da hora em que o exercício é realizado. Um pequeno atraso de fase foi demonstrado quando os exercícios físicos foram realizados quatro horas antes e uma hora depois da temperatura mínima, mas quando os exercícios foram realizados entre três e oito horas depois da temperatura mínima, um pequeno avanço de fase também pôde ser observado. Os exercícios físicos realizados em outros horários do dia não tiveram influência alguma na resposta de fase da curva da temperatura corporal(4). Assim, o exercício pode acelerar o deslocamento de fase de alguns marcadores biológicos, como a liberação do hormônio melatonina, demonstrando assim uma relação direta com marcadores relacionados ao ciclo sono-vigília(5). Já o exercício físico noturno pode atrasar a curva circadiana de TSH e melatonina em humanos, sendo que o deslocamento de fase pode ser determinado pela duração e pela intensidade do exercício físico de forma compatível com a variação individual, levandose em consideração se a pessoa é ativa ou sedentária(6).

O SONO E O EXERCÍCIO FÍSICO Cerca de 30% da população adulta nos EUA e de 20 a 40% da população mundial são acometidos por problemas relacionados ao sono, piorando a qualidade de vida, aumentando o risco de acidentes e diminuindo a produtividade no trabalho, entre outras conseqüências(1). Embora a eficácia do exercício físico sobre o sono tenha sido demonstrada e aceita pela American Sleep Disorders Association como uma intervenção não-farmacológica para a melhoria do sono, poucos profissionais da área de saúde têm recomendado e prescrito o exercício físico com este intuito(7). Um recente levantamento epidemiológico realizado na cidade de São Paulo demonstrou que entre 27,1 e 28,9% de pessoas fisicamente ativas e 72,9 e 71,1% entre os sedentários se queixavam de insônia e sonolência excessiva, respectivamente(8). Mas por que o exercício físico pode promover a melhora do padrão de sono? Alguns estudos realizados têm procurado responder a esta questão apoiando-se inicialmente em três hipóteses: A primeira hipótese, conhecida como termorregulatória, afirma que o aumento da temperatura corporal, como conseqüência do exercício físico, facilitaria o disparo do início do sono, graças à ativação dos mecanismos de dissipação do calor e de indução do sono, processos estes controlados pelo hipotálamo(9,10). A segunda hipótese, conhecida como conservação de energia, descreve que o aumento do gasto energético promovido pelo exercício durante a vigília aumentaria a necessidade de sono a fim de alcançar um balanço energético positivo, restabelecendo uma condição adequada para um novo ciclo de vigília(9). A terceira hipótese, da mesma forma que a anterior, relata que a alta atividade catabólica durante a vigília reduz as reservas energéticas, aumentando a necessidade de sono, favorecendo a atividade anabólica(11). Quanto às variáveis relacionadas ao exercício físico, a intensidade

e o volume são extremamente importantes, pois quando a sobrecarga é aumentada até um nível ideal, existe uma melhor resposta na qualidade do sono. Por outro lado, quando a sobrecarga imposta pelo exercício é demasiadamente alta, ocorre uma influência negativa direta sobre a qualidade do sono. Portanto, a análise do comportamento do sono pode trazer informações bastante úteis na preparação do desportista(12). Segundo O’Connor e Youngstedt(13), o sono de pessoas ativas é melhor que o de pessoas inativas, com a hipótese de que um sono melhorado proporciona menos cansaço durante o dia seguinte e mais disposição para a prática de atividade física. Vuori et al.(14) afirmam que o exercício físico melhora o sono da população em geral, principalmente de indivíduos sedentários. O padrão do sono de ondas lentas (SOL) ou sono profundo pode ser alterado dependendo da intensidade e da duração do exercício e da temperatura corporal(15). Para Montgomery et al.(16) há um aumento deste episódio de sono nos cinco experimentos realizados pelos autores, nos quais utilizaram variações do tipo de exercício físico quanto à intensidade, duração e horário da prática dos exercícios.

Dessa maneira, acredita-se que o SOL, principalmente o estágio 4, é extremamente importante para a reparação fisiológica e de energia(17). A alteração positiva nesse estágio de sono ocorre em função do aumento do gasto energético provocado pelo exercício durante a vigília alerta, o que propicia um sono mais profundo e restaurador fisicamente(9,15,17). Além dessas alterações, alguns estudos verificaram que o exercício pode aumentar a latência de sono REM* e/ou diminuir o tempo desse estágio de sono(15,19), o que retrataria um índice de estresse induzido pelo exercício. Em relação ao tempo total de sono, admite-se que exercícios agudos, em que não há adaptação à sua duração, trazem aumento do episódio total de sono(20), assim como

no exercício físico crônico, indivíduos treinados apresentam maior tempo de sono em comparação com indivíduos sedentários, mesmo sem treinarem(9,16), o que reforça a necessidade de mais sono para restabelecer a homeostase perturbada pelo exercício físico(9). Assim verifica-se que o exercício físico e o sono de boa qualidade são fundamentais para a boa qualidade de vida e para a recuperação física e mental do ser humano.

 

OS TRANSTORNOS DE HUMOR E O EXERCÍCIO FÍSICO

 

Estudos realizados nos EUA afirmam que a prática sistemática do exercício físico para a população em geral  stá associada à ausência ou a poucos sintomas depressivos ou de ansiedade. Mesmo em indivíduos diagnosticados clinicamente como depressivos, o exercício físico tem se mostrado eficaz na redução dos sintomas associados à depressão(21,22). É importante determinar como ocorre a redução dos transtornos de humor, após o exercício (agudo ou após um programa de treinamento), pois assim será possível explicar os seus efeitos bem como outros aspectos relacionados à prática desta atividade. A compreensão da intensidade e da duração adequadas do exercício para que sejam observados os efeitos em sintomas ansiosos e depressivos é a chave para desvendar como o exercício físico pode atuar na redução desses sintomas, pois embora haja um consenso de que esta prática reduz os transtornos de humor, não há um consenso de como isso ocorre. O primeiro passo para entender essa relação é compreender a etiologia dos transtornos. Fatores

genéticos podem estar implicados na ocorrência, mas a gênese dos transtornos está também implicada na função biológica, comportamental e do meio(1).

* Latência de sono REM é o intervalo de tempo entre o início de sono e o primeiro período de sono REM(18).

Rev Bras Med Esporte _ Vol. 11, Nº 3 – Mai/Jun, 2005 205

Em relação à ansiedade, inúmeras teorias têm sido propostas para explicar a sua gênese: teorias cognitivas comportamentais, psicodinâmicas, sociogenéticas e neurobiológicas. A única coisa que se pode afirmar é que o efeito do exercício físico na ansiedade é multifatorial(1). Em uma série de experimentos, Morgan(23) determinou os estados de ansiedade pelos escores do Inventário do Estado-Traço de Ansiedade (STAI) antes e após exercício vigoroso. Quando 15 homens adultos corriam por 15 minutos, a ansiedade diminuía abaixo da linha basal imediatamente após a corrida e permanecia diminuída por 20 minutos. Seis homens com ansiedade neurótica e seis normais foram testados, antes e durante o teste completo, em esteira ergométrica até à exaustão, e os resultados demonstraram uma redução nos escores de ansiedade. Estudos, como o de O’Connor et al.(24), demonstraram que as respostas de ansiedade ao exercício máximo dependem do nível

de ansiedade que o indivíduo possuía antes de começar um programa de exercício, bem como do tempo de recuperação, após esse exercício, já que nos primeiros cinco minutos, após o exercício, o nível de ansiedade é elevado e só então diminuído quando se atingem 10-15 minutos que o exercício foi realizado. A intensidade em que o exercício físico deve ser realizado foi estudada por Raglin e Wilson(25). Quinze adultos de ambos os sexos realizaram 20 minutos em sessões de bicicleta ergométrica em dias separados com intensidades que variaram entre 40, 60 e 70% de seu VO2pico. O estado de ansiedade era medido através de uma escala antes e depois de cada sessão de exercício. Os resultados demonstraram que em intensidades próximas de 40 e 60% do VO2pico os níveis de ansiedade eram diminuídos, após a realização dos exercícios, e quando o exercício era realizado a 70% de seu VO2pico havia um aumento no índice de estado ansioso e só após algumas horas do término do exercício é que o nível voltava a seu estado inicial ou até mesmo abaixo.

A eficácia do exercício físico associado a sintomas depressivos também tem sido relatada em relação a estados depressivos causados por outras doenças. Coyle e Santiago(26) realizaram um estudo em que o principal objetivo era o de avaliar o efeito do exercício na aptidão e na saúde psicológica de indivíduos deficientes. Os voluntários foram submetidos a exercício aeróbio por 12 semanas. Os resultados demonstraram que o exercício aeróbio melhora a aptidão e diminui os sintomas depressivos nesta amostra. Esta redução pode ser o resultado de mecanismos fisiológicos e/ou comportamentais associados com exercício aeróbio. Um estudo conduzido por Lopes(27) observou os efeitos de oito semanas de exercício físico aeróbio nos níveis de serotonina e depressão em mulheres entre 50 e 72 anos. Foi aplicado neste estudo o Inventário Beck de depressão e foram realizadas análises laboratoriais para as dosagens dos níveis de serotonina. Os resultados indicaram que houve redução do percentual de gordura e dos níveis plasmáticos de serotonina, sugerindo que esta relação entre exercício físico e a mobilização de gordura proporciona às participantes uma melhora nos estados de humor.

Os benefícios da prática de exercício físico refletem o aumento dos níveis de qualidade de vida das populações que sofrem dos transtornos do humor. No entanto, tanto o exercício aeróbio como o anaeróbio devem privilegiar a relação no aumento temporal da execução do exercício físico e não no aumento da carga de trabalho (relação volume x intensidade).

 

A MEMÓRIA E O EXERCÍCIO FÍSICO

 

Na literatura, estudos relatam uma forte correlação entre o aumento da capacidade aeróbia e a melhora nas funções cognitivas(28- 30). No entanto, há controvérsias, pois outros estudos não obtiveram resultados semelhantes(31,32). Esses dados conflitantes geram dúvidas sobre os reais efeitos do exercício físico na função cognitiva.

Apesar das controvérsias, estudos epidemiológicos confirmam que pessoas moderadamente ativas têm menos risco de serem acometidas por disfunções mentais do que pessoas sedentárias, demonstrando que a participação em programas de exercícios físicos exerce benefícios, também, para funções cognitivas(28,33,34).

Segundo McAuley e Rudolph(35), o exercício contribui para a integridade cerebrovascular, o aumento no transporte de oxigênio para o cérebro, a síntese e a degradação de neurotransmissores, bem como a diminuição da pressão arterial, dos níveis de colesterol e dos triglicérides, a inibição da agregação plaquetária, o aumento da capacidade funcional e, conseqüentemente, a melhora da qualidade de vida.

Algumas hipóteses buscam justificar a melhora da função cognitiva em resposta ao exercício físico. São elas: alterações hormonais (catecolaminas, ACTH e vasopressina); na â-endorfina; na liberação de serotonina, ativação de receptores específicos e diminuição da viscosidade sanguínea(36). O estudo de Williams e Lord(30) observou melhora no tempo de reação, na força muscular, na amplitude da memória e do humor e nas medidas de bem-estar em um grupo de idosos (n = 94) que participaram de um programa de exercícios com duração de 12 meses em comparação com um grupo controle.

Um estudo verificou o desempenho de idosas em testes neuropsicológicos antes e após um programa de condicionamento físico aeróbio com duração de seis meses. A amostra foi constituída por 40 mulheres saudáveis (60 a 70 anos), divididas em grupo controle (sedentárias) e grupo experimental. O grupo experimental

participou de um programa de condicionamento físico (caminhada três vezes semanais por 60min.). Os resultados revelaram que o grupo experimental melhorou significativamente na atenção,memória, agilidade motora e humor. Os dados sugerem que a participação em um programa de condicionamento físico aeróbio sistematizado pode ser visto como uma alternativa não-medicamentosa para a melhora cognitiva em idosas não demenciadas(33).

A DEPENDÊNCIA DO EXERCÍCIO FÍSICO

Paradoxalmente deve-se reconhecer a existência de alguns indivíduos que se envolvem na prática de exercícios físicos com tal intensidade e/ou freqüência que podem trazer prejuízos à saúde, como, por exemplo, os dependentes do exercício físico(37,38).

Embora os benefícios da prática regular do exercício físico para saúde sejam bem conhecidos, pouco se sabe a respeito dos efeitos da prática excessiva de exercícios e da sua relação com a gênese de um comportamento patológico.

Dentre os principais estudos voltados para a prática excessivade exercícios físicos, destacam-se os relacionados aos transtornos alimentares e os que sugerem ser o excesso de atividade física uma forma específica de dependência comportamental. As teorias para dependência de exercício baseiam-se nas propriedades reforçadoras positivas ou negativas da prática excessiva de exercícios, fazendo uma analogia com a dependência de substâncias psicoativas. As propriedades de reforço positivo do exercício estariam

associadas à sua capacidade de aumentar os níveis dos principais neurotransmissores  nvolvidos na vias neurais do prazer (endorfinas e dopamina). As propriedades de reforço negativo estariam na sua capacidade de minimizar os estados negativos de humor, reduzindo ou abolindo uma sensação de desconforto físico

e/ou psíquico. Embora as teorias baseadas nas propriedades de reforço do exercício físico sejam empolgantes, ainda não há evidências suficientes que as confirmem. São necessários estudos que utilizem instrumentos objetivos para medida de dependência de exercício, com desenhos experimentais adequados, fundamentados

em teorias que considerem a dependência de exercício dentro de um construto multidimensional.

206 Rev Bras Med Esporte _ Vol. 11, Nº 3 – Mai/Jun, 2005

 

O ÁLCOOL E O EXERCÍCIO FÍSICO

 

A execução de um programa de exercícios deve, sempre que possível, ser indicada para indivíduos que estejam em recuperação do abuso de álcool, uma vez que essa prática, além de induzir uma melhora generalizada do funcionamento do organismo, induz também uma melhora das funções corporais diretamente prejudicadas

pelo uso crônico de álcool, como o metabolismo hepático e as funções cognitivas(39). Embora seja difícil imaginar que o exercício regular possa ser utilizado no tratamento de doenças hepáticas decorrentes do uso

crônico do álcool, é possível que ele possa ter um papel importante na recuperação do organismo. O exercício aumenta a atividade das enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo do álcool e o seu clearance sanguíneo. Ardies et al.(40) verificaram que tanto o exercício agudo como crônico aumentam a metabolização do álcool. Muitos estudos foram realizados sobre drogas que pudessem antagonizar os efeitos da intoxicação aguda, seja através do aumento da taxa de metabolismo do álcool e de seus metabólitos (principalmente o acetaldeído) ou do antagonismo/bloqueio de suas ações farmacológicas, especialmente no sistema nervoso central. No entanto, ainda não se conhecem substâncias com adequada eficiência na reversão deste quadro(41).

Ferreira(42) relata que a realização de um teste de esforço progressivo em cicloergômetro até o esforço máximo (± 15 minutos), sob efeito de duas a cinco doses de álcool, prolongou o tempo de recuperação da freqüência cardíaca e produziu uma discreta redução da alcoolemia, pouco significativa clinicamente.

Em síntese, o álcool é capaz de alterar a fisiologia de todo o organismo, provocando assim um distúrbio da homeostase. Quando associado à prática do exercício, por mais que o álcool reduza a ansiedade, a percepção de esforço e aumente o prazer da atividade em execução, se observará um aumento do desgaste corporal durante a exercitação e também um prejuízo na capacidade de recuperação do organismo após o término da atividade em execução.

Dessa forma, o treinamento da aptidão física melhora a resistência geral do organismo e os exercícios de força  musculação/ resistência) auxiliam na manutenção ou mesmo ganho de massa muscular, que pode estar reduzida em dependentes de álcool. É importante salientar uma adequada avaliação médica e funcional antes do início da execução de um programa de exercícios, principalmente no caso de dependentes de álcool, uma vez que estes estão mais sujeitos a problemas cardiovasculares do que os não dependentes.

 

OS ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E O EXERCÍCIO FÍSICO

 

Outro tópico que está sendo recentemente estudado é o uso de esteróides anabolizantes (EAs). A associação  ntre os EAs e o treinamento físico é capaz de produzir alterações na performance de atletas, dando larga vantagem do ponto de vista da treinabilidade e podendo ser determinante no resultado final em uma competição(43). Historicamente a partir da década de 60, o uso dessas drogas passou a ser difundido no meio esportivo, quando entrou para a lista de substâncias proibidas do Comitê Olímpico Internacional (COI). Em meados da década de 70, iniciaram-se os testes antidopagens para os EAs. O caso mais famoso de um atleta flagrado em um exame antidoping ocorreu nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, quando o corredor canadense Ben Johnson foi eliminado da competição, perdendo a medalha de ouro que havia conquistado(

44). Posteriormente, o uso de EA se difundiu. Deixou de ser exclusividade do universo esportivo de alto rendimento e passou a ser usado e abusado por praticantes de atividade física recreativa e freqüentadores de academias, interessados nos efeitos estéticos que essas drogas, aliadas ao treinamento resistido, podem proporcionar(45,46).

Apesar de os EAs serem substâncias ilícitas e que causam diversos efeitos colaterais, alguns atletas procuram utilizá-los para se beneficiarem durante as competições. Isso ocorre porque quase que a totalidade dos tecidos do organismo possuem receptores para hormônios androgênicos. Um exemplo disso é que os EAs estimulam a síntese e a liberação de hemoglobina (proteína carreadora de oxigênio), aumentando a oferta de oxigênio nos tecidos, conseqüentemente melhorando o rendimento desportivo(47). Tamaki et al.(48) mostraram, em estudo com animais de laboratório, que os EAs diminuem o tempo de recuperação entre as sessões de treinamento. Outros estudos mostram o aumento do glicogênio muscular e da síntese de proteína com conseqüente aumento da massa magra(49). Entretanto, o uso abusivo dos EAs pode carretar o aparecimento de efeitos colaterais reversíveis e irreversíveis, na maioria dos sistemas do organismo (sistemas hepático, cardiovascular e endócrino)(50). Dentre esses efeitos podem ocorrer danos no tecido hepático, atrofia de testículos, hipertrofia de clitóris e, em alguns casos, podem chegar à hipertensão arterial e à hipertrofia ventricular esquerda. Outro efeito ocorre sobre a arquitetura do sono. Estudos, em nosso laboratório, ainda em andamento, demonstram que o uso de EAs resultam na diminuição da eficiência do sono e no aumento a latência de sono, trazendo prejuízos à qualidade do sono. O uso de EAs no meio esportivo atravessou décadas, fazendo parte da política esportiva oficial de alguns países(43). Porém os estudos sobre a extensão da participação desse tipo de substância sobre a performance dos atletas demoraram algum tempo a ser comprovados. Pois os estudos controlados não observavam alterações na potência, na força e na secção transversa muscular, isso porque as dosagens dos EAs administradas nesses estudos estão bem abaixo das usadas pelos atletas(48).

 

CONCLUSÃO

 

Diante dos estudos descritos anteriormente, verifica-se que o exercício físico sistematizado pode acarretar diversos benefícios tanto na esfera física quanto mental do ser humano, proporcionando uma melhor qualidade de vida.

No entanto, administrado de maneira equivocada e sem embasamento científico, pode alterar negativamente o nosso comportamento (por exemplo, a dependência de exercício físico e o uso de esteróides anabolizantes), prejudicando o nosso desempenho físico e cognitivo.

 

AGRADECIMENTOS

– Cepe (Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício)

– Cenesp/Unifesp (Centro de Excelência Esportiva da Unifesp)

– Instituto do Sono/AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia)

– Capes

– CNPq

– Fapesp – Cepid/Sono

– Unifesp

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito

de interesses referente a este artigo.

REFERÊNCIAS

1. Buckworth J, Dishman RK. Exercise psychology. Champaign: Human Kinetics,

2002.

2. Atkinson G, Reilly T. Circadian variation in sports performance. Sports Med 1996;

21:292-312.

3. Callard D, Davenne D, Lagarde D, Meney I, Gentil C, Van Hoecke J. Nycthemeral

variations in core temperature and heart rate: continuous cycling exercise

versus continuous rest. Int J Sports Med 2001;22:553-7.

Rev Bras Med Esporte _ Vol. 11, Nº 3 – Mai/Jun, 2005 207

4. Edwards B, Waterhouse J, Atkinson G, Reilly T. Exercise does not necessarily

influence the phase of the circadian rhythm in temperature in healthy humans. J

Sports Sci 2002;20:725-32.

5. Miyazaki T, Hashimoto S, Masubuchi S, Honma S, Honma KI. Phase-advance

shifts of human circadian pacemaker are accelerated by daytime physical exercise.

Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol 2001;281:R191-205.

6. Buxton OM, Frank AS, L’Hermite-Baleriaux M, Lepoult R, Turek FW, Van Cauter

E. Roles of intensity and duration of nocturnal exercise in causing phase delays

of human circadian rhythms. Am J Physiol 1997;273:536-42.

7. American Sleep Disorders Association. The international classification of sleep

disorders (diagnostic and coding manual). Kansas: DCSC, 1991.

8. Mello TM, Fernandez AC, Tufik S. Levantamento epidemiológico da prática de

atividade física na cidade de São Paulo. Rev Bras Med Esp 2000;6:119-24.

9. Driver HS, Taylor S. Exercise and sleep. Sleep Med Rev 2000;4:387-402.

10. Lu J, Greco MA, Shiromani P, Saper CB. Effects of lesions of the ventrolateral

preoptic nucleous on NREM and REM sleep. J Neurosci 2000;20:3830-42.

11. Hobson JA. Sleep after exercise. Science 1968;162:1503-5.

12. Martins PJF, Mello MT, Tufik S. Exercício e sono. Rev Bras Med Esp 2001;7:28-

36.

13. O’Connor PJ, Youngstedt SD. Influence of exercise on human sleep. Exerc Sport

Sci Rev 1995;23:105-34.

14. Vuori I, Urponen H, Hasan J, Partinen M. Epidemiology of exercise effects on

sleep. Acta Physiol Scand 1988;574:3-7.

15. Horne JA, Moore VJ. Sleep EEG effects of exercise with and without additional

body cooling. Eletroencephalogr Clin Neurophysiol 1985;60:33-8.

16. Montgomery I, Trinder J, Paxton SJ. Energy expenditure and total sleep time:

effect of physical exercise. Sleep 1982;5:159-68.

17. Baekeland F, Lasky R. Exercise and sleep patterns in college athletes. Percept

Mot Skills 1966;23:1203-7.

18. Velluti RA. Fisiologia do sono. In: Reimão R, editor. Sono: estudos abrangentes,

2ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1996;1-15.

19. Youngstedt SD, O’Connor PJ, Dishman RK. The effects of acute exercise on

sleep: a quantitative synthesis. Sleep 1997;20:203-14.

20. Sherrill DL, Kotchou K, Quan SF. Association of physical activity and human sleep

disorders. Arch Intern Med 1998;158:1894-8.

21. Grosz HJ, Farmer BB. Pitts’ and McClure’s lactate-anxiety study revisited. Br J

Psychiatry 1972;120:415-8.

22. Pitts FJ, McClure JJ. Lactate metabolism in anxiety neurosis. N Engl J Med

1967;277:1329-36.

23. Morgan WP. Influence on acute physical activity on state anxiety. NCPEAM,

Proceedings, 1973;113-21.

24. O’Connor PJ, Petruzzello SJ, Kubitz KA, Robinson TL. Anxiety responses to

maximal exercise testing. Br J Sports Med 1995;29:97-102.

25. Raglin JS, Wilson M. State anxiety following of bicycle ergometer exercise at

selected intensities. Int J Sports Med 1996;17:467-71.

26. Coyle CP, Santiago MC. Aerobic exercise training and depressive symptomatology

in adults with physical disability. Arch Phys Med Rehabil 1995;76:647-52.

27. Lopes KMDC. Os efeitos crônicos do exercício físico aeróbio nos níveis de serotonina

e depressão em mulheres com idade entre 50 e 72 anos [Dissertação

Mestrado]. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2001.

28. Molloy DW, Richardson LD, Crilly RG. The effects of a three-month exercise

programme on neuropsychological function in elderly institutionalized women: a

randomized controlled trial. Age Ageing 1988;17:303-10.

29. Van Boxtel MP, Langerak K, Houx PJ, Jolles J. Self-reported physical activity,

subjective health, and cognitive performance in older adults. Exp Aging Res

1996;22:363-79.

30. Williams P, Lord SR. Effects of group exercise on cognitive functioning and mood

in older women. Aust N Z J Public Health 1997;21:45-52.

31. Molloy DW, Beerschoten DA, Borrie MJ, Crilly RG, Cape RD. Acute effect of

exercise on neuropsychological function in elderly subjects. J Am Geriatr Soc

1988;36:29-33.

32. Swoap R, Norvell N, Graves J, Pollock M. High versus moderate intensity aerobic

exercise in older adults: psychological and physiological effects. J Aging Phys

Act 1994;2:293-303.

33. Antunes HKM, Santos RF, Heredia RAG, Bueno OFA, Mello MT. Alterações cognitivas

em idosas decorrentes do exercício físico sistematizado. Revista da Sobama

2001;6:27-33.

34. Mazzeo RS, Cavanagh P, Evans WJ, Fiatarone M, Hagberg J, McAuley E, et al.

ACSM position stand: exercise and physical activity for older adults. Med Sci

Sports Exerc 1998;30:992-1008.

35. McAuley E, Rudolph D. Physical activity, aging, and psychological well-being. J

Aging Phys Act 1995;3:67-96.

36. Santos DL, Milano ME, Rosat R. Exercício físico e memória. Revista Paulista de

Educação Física 1998;12:95-106.

37. Davis C. Eating disorders and hyperactivity: a psychobiological perspective. Can

J Psychiatry 1997;42:168-75.

38. Davis C, Katzman DK, Kaptein S, Kirsh C, Brewer H, Olmsted MP, et al. The

prevalence of hyperactivity in the eating disorders: etiological implications. Compr

Psychiatry 1997;38:321-6.

39. Juhlin-Dannfelt A, Ahlborg G, Hangerfeldt L, Jorfeldt L, Felig P. Influence of

ethanol on splanchnic and skeletal muscle substrate turnover during prolonged

exercise in man. Am J Physiol 1977;233:E195-202.

40. Ardies CM, Morris GS, Erickson CK, Farrar RP. Both acute and chronic exercise