Treino para idosos

04-09-2010 01:13

Treinamento de força para idosos:
uma perspectiva de trabalho multidisciplinar.
Artigo de revisão

 

 
Resumo
    Durante os últimos anos têm se verificado os benefícios do treinamento de força durante o período de envelhecimento do ser humano. De fato, alguns pesquisadores têm demonstrado que indivíduos com idade acima de 90 (noventa) anos podem obter um aumento na produção de força durante um período de treinamento de 8 (oito) semanas, o que acarreta uma melhora na capacidade funcional e, conseqüentemente, uma melhora na qualidade de vida. Também, já existem inúmeros estudos que analisam a influência do treinamento de força na produção hormonal e na produção de cálcio, como forma de prevenção de fissuras e fraturas ósseas. Este estudo teve por objetivo esclarecer, através de revisão bibliográfica, os benefícios e as limitações de um treinamento de força objetivado para indivíduos com idades avançadas.
    
Unitermos: Treinamento de força. Sarcopenia. Osteoporose.
 

 

Perda de força e potência muscular relacionado com a idade

Sabemos que a força é uma das mais importantes valência físicas. A fraqueza dos músculos pode avançar até que uma pessoa idosa não possa realizar mais as atividades comuns da vida diária, tais como tarefas domésticas de levantar-se de uma cadeira, varrer o chão ou jogar o lixo fora. Logo, é importante manter a força conforme envelhecemos, porque ela é vital para a saúde, para a capacidade funcional e para a vida independente (Fleck e Kraemer, 1999).

    Sob condições normais, o desempenho da força apresenta o seu pico entre 20 e 30 anos, após esse período ela permanece relativamente estável ou diminui ligeiramente durante os 20 anos seguintes. Aos 60 anos ocorre uma diminuição mais brusca, sendo nas mulheres as quedas mais dramáticas (Hakkinen et al. apud Fleck e Kraemer (1999)). A partir dos 70 anos esta queda se torna ainda mais brusca.

    É óbvio que esta magnitude depende do sexo e da musculatura específica. O envolvimento de longo tempo com o treinamento de força parece compensar esta perda e parece aumentar a capacidade da força absoluta efetiva mas, os declínios ocorrem até mesmo em levantadores de peso, sendo este um processo fisiológico natural (Fleck e Kraemer, 1999).

    Num estudo realizado por Bassey e Harries apud Fleck e Kraemer (1999) encontrou-se uma perda de 2% da força do aperto de mão por ano em pessoas idosas. Num período de 4 anos, entretanto, essa perda passou a ser de 3% ao ano para homens e aproximadamente 5% para mulheres.

    Dados transversais e longitudinais indicam que a força muscular diminui aproximadamente 15% por década durante a sexta e sétima décadas e depois, aproximadamente, 30% (Fleck e Kraemer, 1999).

    Além da perda de força, a capacidade do músculo de exercer força rapidamente (potência) parece diminuir com a idade. Essa habilidade é vital e pode servir como um mecanismo protetor nas quedas, uma das causa mais importantes de lesões. Tal potência não tem sido muito estudada em idosos, apesar desta valência ser considerada mais importante que a própria força devido à importância desta para o cumprimento das capacidades funcionais do indivíduo que exigem um desenvolvimento rápido de força. Num estudo de Bassey et al. apud Fleck e Kraemer (1999) a potência de extensores de perna foi significativamente correlacionada com a velocidade de se levantar da cadeira, velocidade e potência de subir escadas e velocidade de caminhadas. As correlações entre potência e capacidade funcional foram maiores nas mulheres do que nos homens. Para ambos os sexos, entretanto, os dados indicaram que a potência é importante para o desempenho das atividades diárias, e que se a potência diminui, também diminui a capacidade de realizações dessas atividades.

    Hakkinen e Hakkinen apud Fleck e Kraemer (1999) sugeriram que a capacidade de produzir força no início de uma curva força-tempo pode ser comprometida pelo envelhecimento. O tempo necessário para produzir força isométrica máxima foi significativamente mais longo nas mulheres de 70 anos do que nas de 30 e 50 anos.

    A capacidade de produzir força rapidamente pode diminuir mais do que a força máxima, especialmente em idosos. Young e Skelton apud Fleck e Kraemer (1999) verificaram que a potência dos membros inferiores pode ser perdida em proporção de 3,5% por ano a partir dos 65 anos até 84 anos. Grassi et al. apud Fleck e Kraemer (1999) verificou que o pico de potência anaeróbica em atletas qualificados de resistência e potência diminui linearmente em função da idade em proporção de 1% ao ano. Isso significa que uma pessoa de 75 anos tem apenas 50% da potência anaeróbica de uma pessoa com 20 anos.

    Com isso, então, parece que o trabalho de potência muscular e de força devem ser o principal objetivo do treinamento para essa população devido ao fato de que existem muitas lesões advindas de quedas e também a independência desta população depende disso.


Mecanismos da redução da força e da potência muscular

    Existem diversos fatores que contribuem para a perda da força muscular com a idade. Alterações músculo-esqueléticas, acúmulo de doenças crônicas, medicamentos necessários para o tratamento de doenças, alterações no sistema nervoso, redução das secreções hormonais, desnutrição e atrofia por desuso são os principais fatores. A interação destes e os mecanismos que predominam sob certas condições ainda não estão bem claros. Neste estudo citaremos apenas as alterações na musculatura esquelética.

    Alteração músculo-esquelética - Sarcopenia. Tem sido sugerido que a diminuição da massa muscular é o principal fator para a redução da força com o avanço da idade. Essa diminuição foi denominada de sarcopenia (Evans e Campbell apud Fleck e Kraemer 1999). O termo vem do grego sarkos (carne) e penia (pobreza) e foi adotado para caracterizar esta síndrome (Evans e Campbell apud Frontera et al., 2001). A idade somente parece não afetar a qualidade das contrações musculares quando esta é equilibrada pela massa muscular. Esta afirmação confirma o fato de que o principal fator de redução da força com a idade é a sarcopenia (Frontera et al., 2001). Conforme se envelhece, observa-se uma tendência geral na redução da massa muscular. Parece que este efeito na massa muscular independe da localização da musculatura (membros inferiores vs membros superiores) e de sua função (extensão vs flexão) (Frontera et al., 2001).

    A.Young et al. apud Fleck e Kraemer (1999) demonstrou que a área da secção transversa do quadríceps de mulheres de 70 anos era de 77% das mulheres com 20 anos de idade. Lexell et al. apud Frontera et al. (2001) verificou que músculos de homens e mulheres mais velhos eram de 25% a 35% menores e tinham significativamente mais gordura e mais tecido conjuntivo que tecidos de jovens adultos. Imamura et al. apud Fleck e Kraemer (1999) também verificou que não há apenas uma diminuição da área de secção transversa, mas também um aumento da gordura intramuscular, sendo tais mudanças mais pronunciadas em mulheres.

    Akima et al. (2001) investigou as características funcionais dos músculos flexores e extensores do joelho de homens e mulheres com idades entre 20 e 84 anos, determinando o tamanho muscular, utilizando uma técnica de ressonância magnética em conjunto com medidas de força muscular. Um total de 164 voluntários participaram do estudo, todos divididos em cinco grupos: 20 anos (20-39 anos), 40 anos (40-49 anos), 50 anos (50-59), 60 anos (60-69) e 70 anos (70 a 84). O pico de torque durante flexão isométrica e isocinética de joelhos em 60º, 180º e 300º foi mensurado pelo dinamômetro isocinético Cybex 770-Norm.

    Os valores de pico de torque nos indivíduos (homens e mulheres) de 60 e 70 anos foram significativamente menores em relação ao de 20 anos. Com o envelhecimento, o pico de torque muda durante a extensão isocinética de joelho. O torque de extensão de joelhos em todas as velocidades angulares em homens e mulheres gradualmente decresce com o envelhecimento. Em homens e mulheres, o pico de torque isocinético durante extensão de joelhos em todos os testes de velocidade em 40, 50, 60 e 70 anos foi menor que nos indivíduos de 20 anos.

    O torque de flexão de joelhos em todos os testes de velocidades em homens e mulheres gradualmente decresce com o envelhecimento. Em homens e mulheres de 60 e 70 anos, o pico de torque isocinético durante a flexão de joelhos em todos os testes de velocidades, foi menor que nos de 20 anos.

    Uma significante relação com a idade na perda de torque para homens e mulheres foi observada na extensão de joelhos em todos os testes de velocidade, onde a porcentagem do declínio por década no torque de extensão de joelho em homens e mulheres foi de 12% e 8%, respectivamente e no torque de flexão de joelhos foi de 11% e 8% respectivamente.

    Há uma importante correlação entre área de secção transversa do quadríceps e o torque máximo de extensão de joelhos em homens (r=0,827) e em mulheres (r=0,657). A força e a área de secção transversa do músculo diminui linearmente com o avanço da idade em homens; contudo não houve declínios associados à idade em mulheres,

    Esses declínios na massa muscular afetam diretamente o metabolismo basal e até a capacidade de exercício total de pessoas mais velhas, ao contrário de adultos jovens (Tzankoff e Norris apud Frontera et al., 2001). Fleg e Lakatta apud Frontera et al. (2001) mostraram que a perda da massa muscular pode ser responsável por aproximadamente 30% dos declínios de VO2máx. com o avanço da idade quando este é normalizado pela massa muscular.

    O declínio na massa muscular é causado pela redução no tamanho e/ou pela perda das fibras musculares individuais (Frontera et al. apud Fleck e Kraemer, 1999). Parece que existe uma perda preferencial das fibras do tipo II (contração rápida) com o envelhecimento.

    Sabe-se que a qualidade da proteína também pode ser afetada, porque as cadeias pesadas de miosina (CPM) transformam-se para um tipo mais lento, o que poderia afetar a velocidade do ciclo das pontes cruzadas de actina e miosina durante as ações musculares (Sugiura et al. apud Fleck e Kraemer, 1999). Além disso, já se sabe há algum tempo que a atividade da miosina ATPase diminui com o envelhecimento (Syrovy e Gutmann apud Fleck e Kraemer, 1999).

    A perda das fibras musculares do tipo II também significa uma perda das proteínas rápidas de CPM (Fry et al. apud Fleck e Kraemer, 1999). Portanto, a perda tanto da quantidade como da qualidade das proteínas nas unidades contráteis dos músculos proporciona uma base bioquímica estrutural para a perda da força e potência muscular com o envelhecimento.

    Sabemos que muitas das mudanças relacionada com a idade podem ser heterogêneas. Em vez de ser uma parte inevitável do processo de envelhecimento, a perda da massa muscular e de força podem estar mais relacionadas com os padrões habituais de atividade. Klitgaard et al. apud Frontera et al. (2001) relatou que a força e a massa muscular nos homens de 69 anos que haviam feito treinamento de força por 12 a 17 anos eram maiores do que nadadores ou corredores de mesma idade.